por Felipe Stancioli
NÃO ERAM APENAS OS MORALISTAS CATÓLICOS que combatiam o amor sensual, como muitos pensam hoje em dia. Os médicos também tinha suas teorias a respeito dos malefícios ligados a sede de sexo. Ao longo do tempo, a medicina ofereceu uma porção de argumentos fisiológicos sobre como o amor erótico poderia ser prejudicial e até mesmo fatal se os excessos não fossem evitados ou domados.
A luxúria, expressão direta da paixão, era considerada um desarranjo fisiológico e tinha que ser medicada. pensava-se que o comportamento dos indivíduos era determinado pela qualidade e quantidade do calor de seu corpo. Quanto a este calor, trata-se, claramente, de uma espécie de "energia vital" que perpassa todos os orgãos, e no caso, principalmente o coração. Um coração muito apaixonado poderia gerar uma série de distúrbios.
Segundo a Teoria Humoral, o desequilíbrio ou corrupção dos humores, graças a secreção da bile negra, poderia explicar uma desatinada erotização. Dela provinham os piores crimes, os mais violentos envolvimentos afetivos e os mais desumanos dos atos. Apesar da educação e da cultura, a razão não conseguia, muitas vezes, controlar o calor interior. As pessoas sofriam por não colocar os afetos dentro de limites adequados. Todos os excessos, então, deviam ser evitados, contornados, amestrados. Sem o controle das paixões, homens e mulheres estavam perdidos. Era pois, o sentimento fora de controle - que acabava resultando em erotismo desenfreado - que consolidou a ideia do amor como uma forma de enfermidade.
No final do renascimento, longos tratados médicos foram escritos sobre o tema: O Antídoto do Amor, de 1599, ou A Genealogia do Amor, de 1609, são bons exemplos desse tipo de literatura. Seus autores tanto se interessavam pelas definições filosóficas do amor, quanto pelas técnicas, diagnósticos e tratamentos envolvidos em sua cura. Todos, também, recorreram a observações históricas e científicas para concluir que o amor erótico, ou melancolia erótica, eram o resultado dos humores queimados pela paixão, e também que todos os sintomas observados nos amantes e registrados na literatura poderiam ser explicados em termos de patologias. No livro Anatomia da Melancolia, de Robert Burton, publicado em 1621, diz-se exatamente isso, e havia a hipótese de que a paixão podia invadir o corpo como um feitiço ou encantamento. Isto era interpretado pelos médicos como uma estranha infecção do sangue, causada pela transferência dos "espíritos do objeto contemplado, através do olho do contemplador". Em outras palavras, a fascinação, na forma de um vapor indesejável, penetrava através dos olhos e envenenava o corpo. Queria-se demonstrar que o corpo era um lugar de uma série de eventos patológicos, cujos elementos explicariam a transição do desejo á doença.
"Nossos médicos modernos chamam de febre amorosa os batimentos desordenados do coração, inchamentos do rosto, apetites depravados, tristezas, suspiros, lágrimas sem motivo, fome insaciável, sede raivosa, síncopes, opressões, sufocações, vigílias continuas, cefalgias, melancolias, epilepsias, raivas, furores uterinos, satiríases e outros perniciosos sintomas que não recebem mitigações nem cura na maior parte das vezes a não ser pelos remédios do amor".
O mal ataca inicialmente pelos olhos, flui pelas veias como um veneno, dirige-se ao fígado, que inflama de forma a transmitir um calor aos rins e ao lombo, que se tornam sedes importantes dos sintomas eróticos, até que por fim chega ao cérebro, que acaba sendo escravizado.
Na tradição de ensaios morais tão correntes em Portugal, João de Barros, em 1540, dizia que o sentimento apaixonado "abreviava a vida do homem". Incapazes de conter nutrientes, os membros se enfraqueciam. Muitos males decorreriam dai, entre eles a ciática, as dores de cabeça, os problemas de estomago ou dos olhos. A relação sexual, por sua vez, além de abreviar a vida, emburrecia. E concluía: "Só os castos vivem muito". Descrita como um instrumento de envenenamento do corpo social, o chamado "amor demasiado", além de ser visto como doença, se constituiu num recurso para valorização do casamento. Ele opunha a sexualidade regrada dos casados voltada a procriação ao amor apaixonado e sensual dos amantes.
A noção de patologia do amor irá se refinar ao longo do século XIX, quando uma série de males lhe é atribuída " há poucos médicos que não tenham tido a ocasião de patentear um amor oculto que roa o coração de um de seus doentes", explicava o doutor Mello Moraes. E após louvar o "amor feliz" do matrimônio, relacionava os problemas provocados pelo sexo: "Uma doença que sobrevém de repente aqueles que cometem excessos venéreos; a pele fica seca e ardente, o pulso, umas vezes cheio outras pequeno, urinas vermelhas, congestão e palidez na face, náusea, vomito e delírio. Esta doença pode causar uma morte rápida!"
Fonte:
Mary Del Priore - Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na História do Brasil
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