Autor: Marcio Yguer
A cada dia 21 de abril exaltado pelos amantes da historiografia marxista, alguém que vai até as fontes primárias e documentais sofre um espasmo de cólica e sai da sala.
A cada dia 21 de abril exaltado pelos amantes da historiografia marxista, alguém que vai até as fontes primárias e documentais sofre um espasmo de cólica e sai da sala.
Assim como é repetidamente tentado com Zumbi dos Palmares, “bastião” fincado em areia fofa, Tiradentes é mais uma das inúmeras tentativas de retirar do imaginário nacional quaisquer lembranças de verdadeiros e valorosos heróis que já tivemos no País.
A narrativa começa sempre com a ficção que se esforça por conceder a alguma figura carente de valores fundamentais e universais, justamente estes mesmíssimos valores, superpondo o mito ao real.
Tudo montado para que o papel de dar a Joaquim José da Silva Xavier, um protagonismo fundamental na Inconfidência Mineira, já atribuindo a esta a premissa de ser inequívoca e necessária no processo de “independência” do Brasil, se mantivesse de pé.
O teatro de narrativas sempre passa por fórmulas parecidas e despudoradamente obscuras, como sugere sempre o pensamento revolucionário atemporal, seja na imagem do referido plantada como se quisesse fazer as vezes do Nazareno, seja no fim abraçado e purificado pelo martírio.
Trago excertos de uma entrevista na TV Capixaba, do Espírito Santo, do historiador Clério José Borges de Sant'Anna, concedida a Marcelo Carlos em 21 de abril de 2008:
“Joaquim José da Silva Xavier, o nosso Tiradentes, herói nacional a partir da data da proclamação da República era considerado um vilão até 15 de Novembro de 1889. Tiradentes foi apenas um bode expiatório de uma revolução que estava mais preocupada com o quinto do ouro das Minas Gerais que era enviado à Portugal. Tiradentes nasceu na Vila de São Jose Del Rei (atual cidade mineira de Tiradentes) em 1746, porém foi criado na cidade de Vila Rica (atual Ouro Preto). Tiradentes era alferes, na hierarquia militar antiga, a patente de oficial abaixo de tenente. Participaram da tentativa de derrubar o governo português, por exemplo, dois coronéis, Domingos de Abreu Vieira e Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e dois poetas famosos até hoje, Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga.
A clássica imagem de Tiradentes (de barba e cabelo comprido) é fictícia. Ele nunca possuiu cabelos compridos, nem barba. Seja em sua época de militar (posto em que os membros do exército devem moderar sua quantidade de pelugem pelo rosto), seja em seu período na prisão (os pelos eram cortados a fim de evitar piolhos), ou mesmo no momento de sua execução (todos os condenados à forca deveriam ter a cabeça e a barba raspadas). A lembrança de Tiradentes e de seu movimento se tornaram importantes, a ponto de receberem interesse nacional, a partir da Proclamação da República (15/11/1889). Nesse momento, os novos governantes (Marechal Deodoro e Marechal Floriano) necessitavam criar um novo país, com novos valores, novas idéias e, especialmente, uma nova história e novos heróis, dos quais todas as pessoas deveriam se orgulhar e se submeter.
A imagem cabeluda se construiu, para se assemelhar a figura do condenado à de Jesus Cristo, aumentando seu tom de mártir, vítima e herói bondoso. Para fazer com que as pessoas tivessem o seguinte pensamento: “da mesma forma que Cristo morreu pela humanidade, Tiradentes morreu para salvar o Brasil” E todos se orgulhariam do sujeito, da terra que ele supostamente defendeu, e procurariam espelhar-se em seu caráter heróico.”
Como vimos, para que se cumpra com exatidão, toda a atmosfera deve estar devidamente delimitada e desenhada dentro e de acordo com o escopo da narrativa para a qual se preste.
Naturalmente, o revisionismo histórico é a maior arma da qual dispõe o pensamento revolucionário quando se quer sujeitar a Verdade ao erro e ao aparelhamento.
Segundo Thais Nívea de Lima Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais, quando dissertou sobre o tema na Revista Brasileira de História, “há muito tempo os jornais têm dado espaço ao tema da Inconfidência Mineira, quase sempre para a exaltação de Tiradentes como herói e mártir, usando-o como modelo em discursos em geral de natureza nacionalista e/ou moralista. A história de Tiradentes passou a ocupar espaço na imprensa com o crescimento do movimento republicano na segunda metade do século XIX e, mais ainda, com a instalação da própria República. Desde então, artigos, poemas, reportagens, ensaios e outras modalidades de textos têm sido publicados prodigamente, sobretudo no momento da celebração da morte do herói, a 21 de abril”.
A autora complementa, “Se a Inconfidência Mineira tem sido elemento de suporte a uma determinada construção historiográfica e a projetos e posicionamentos políticos desde as últimas décadas do século XIX, Tiradentes desponta como seu símbolo, síntese das idéias das quais o movimento seria o precursor, no Brasil. Ele se tornou, talvez, o personagem mais popular da história nacional, adquirindo contornos heróicos e status de mito político. Apesar de muito marcada pela ação dos republicanos e de seus interesses, a construção desse perfil de Tiradentes não se deveu apenas a eles.
Da popularidade presumida à transformação em herói e mito político, Tiradentes percorreu um caminho sulcado pela ambiência cultural de seu próprio tempo e pela herança deixada por ela em tempos posteriores. Muitas de suas representações foram, sem dúvida, construídas e manipuladas”… “Alguns poucos trabalhos têm buscado esse manancial e têm aberto as fronteiras para os avanços neste campo. José Murilo de Carvalho já havia indicado alguns caminhos para a pesquisa dessa problemática, discutindo, em ‘A formação das almas’, a construção do mito de Tiradentes pelos republicanos no final do século XIX.
Seguindo a trilha traçada por Maurice Agulhon para a França, Carvalho tratou da apropriação, no Brasil, de um conjunto de símbolos e mitos republicanos de matriz francesa, no processo de estruturação da República brasileira. Inspirados por esse trabalho, temos, já na década de 90, as análises de Eliana Dutra e de Sérgio Vaz Alkmin, que se preocuparam, especialmente, com o processo de formulação de uma imagem sacralizada e cristianizada da Inconfidência Mineira e de Tiradentes, tomando como base os relatos dos frades que assistiram os inconfidentes em seu período de prisão no Rio de Janeiro. Esse tipo de abordagem representa, de fato, um retorno aos documentos, a valorização de uma pesquisa empírica mais apurada, a busca de uma nova leitura, de aspectos ainda não tratados nestas fontes que, apesar de já muito utilizadas, ainda têm muito a revelar”.
Pois bem.
A nós, cabe seguir o fio da história como um farol que deve nos ordenar quanto ao futuro.
Permitir a esse fio, ser manipulado, é permitir que outros assumam o leme da embarcação comprometendo todo o itinerário.
Tão importante quanto reforçarmos a barca que nos conduzirá, é termos em mãos as Cartas Náuticas corretamente aferidas.
“Ad maiorem Dei gloriam”
Márcio Yguer é Católico, pai, músico, filósofo e analista político.
Necessariamente nessa ordem.
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