Era 1980, Convenção do Partido Republicano, o então candidato à Presidência dos Estados Unidos, Ronald Reagan encorajava seus correligionários com uma citação de Thomas Paine: “Temos o poder de começar o mundo de novo”. Reagan, nome máximo da direita conservadora americana, invocava o revolucionário Tom Paine, herói de muita luta dos liberais progressistas. Confuso não é?!. O episódio mostra as complexidades das posições de direita e esquerda nas democracias modernas.
O conservadorismo de Reagan era pouco tradicional em sua retórica. Em vários contextos diferentes, Reagan citou a linha de agitação de Paine.
É algo estranho que pai fundador mais radical - Thomas Paine - serve como uma influência filosófica sobre o mais bem sucedido presidente conservador do século XX
Por outro lado, ninguém menos do que o ex-presidente Barack Obama, ícone da esquerda americana, se descreveu como seguidor de Burke, porque estava disposto a evitar mudanças súbitas.
Apesar das coisas parecerem se confundir no âmbito político em si, no acadêmico e na prática social a guerra é declarada, árdua e duradoura.
Em meio a revoluções, o do século 18 foi um momento especial na Inglaterra. Influenciados pela independência dos Estados Unidos em 1776 e pela Revolução Francesa em 1789, políticos e pensadores do país debateram qual seria a influência desses movimentos na monarquia e na aristocracia britânicas. Na liderança da defesa dos valores tradicionais estava Edmund Burke, político e filósofo que combatia a ideia das reformas radicais daqueles movimentos. Do outro lado estava Thomas Paine, pensador progressista de grande influência no movimento de independência americano
Mas o maior legado de Burke e Paine é outro. Suas visões de mundo ainda descrevem duas amplas diferenças em relação à vida política em nossa era.
Esse debate deu formação da conjuntura de polarização entre esquerda e direita, revolucionários e conservadores ate os dias atuais.
De um lado, a defesa conservadora de Burke do poder e propriedade hereditárias, e suas as criticas as revoluções da liberdade-igualdade-solidariedade. Do outro, a critica de Paine ao conservadorismo reacionário, e a todas autoridades preestabelecidas, tanto seculares quanto eclesiásticas, coloca esse debate no topo da guerra cultural de nossos tempos.
Conhecer esse debate é conhecer os rumos que o mundo está tomando e conhecê-las a luz da experiência atual é reconhecer onde e porque as instituições estão ruindo.
Segundo Bobbio: “na relação que se estabelece entre progressismo e conservadorismo, este é sempre apresentado como negação, mais ou menos acentuada, daquele; aparece como tal, mostrando assim seu caráter alternativo; [o conservadorismo] existe só porque existe uma posição progressista”
Segundo Levin, foi exatamente esta polêmica entre dois britânicos — Edmund Burke (1729–1797) e Thomas Paine (1737–1809) — em torno da mesma Revolução Francesa que conferiu substância duradoura às noções de esquerda e direita
Como Burke e Paine nos mostraram, a linha entre progressistas e conservadores realmente divide dois tipos de liberais e duas visões distintas da sociedade liberal.
Paine é tido e foi um defensor da democracia liberal. Burke da monarquia e aristocracia. Mas o pensamento nem de um outro esta ultrapassado, nem muito menos seu debate, pelo contrário.
Em 1774, Tom Paine chega à Filadélfia com uma carta de recomendação de Benjamin Franklin, que conhecera em Londres, e no ano seguinte começa a publicação de Senso Comum, um panfleto de estrondoso sucesso que mobilizava argumentos em defesa da independência americana, atacava a monarquia e discutia a legitimidade dos governos à luz da razão. O inglês alçava-se, assim, à posição de estrela da Revolução Americana. O parlamentar Edmund Burke também apoiou a independência americana. Suas razões nada tinham a ver com os ideais abstratos de Paine, mas sim com uma consideração prudente da situação concreta no Novo Mundo. Na definição de Levin, Paine era um radical do Iluminismo, e Burke, um representante do Esclarecimento conservador. Uma e outra atitude estiveram presentes no coração mesmo da Revolução Americana.
Mas o que é Conservadorismo?
Segundo Russell Kirk, “O conservador pensa na política como um meio de preservar a ordem, a justiça e a liberdade. O ideólogo, pelo contrário, pensa na política como um instrumento revolucionário para transformar a sociedade e até mesmo transformar a natureza humana. Na sua marcha em direção à Utopia, o ideólogo é impiedoso.”
O conservadorismo é um pensamento político que defende a manutenção das instituições sociais tradicionais – como a família, a comunidade local e a religião -, além dos usos, costumes, tradições, e tem como seus principais valores a liberdade e a ordem, especialmente a liberdade política e econômica e a ordem social e moral. O conservador acredita que há uma ordem moral duradoura e transcendente, que no caso do conservadorismo ocidental é baseada na doutrina cristã.
Conservadores entendem que as mudanças e o progresso são necessários para manter uma sociedade saudável, mas essas mudanças devem ser cautelosas e graduais. A política do conservador é a política da prudência, sempre preferindo manter e melhorar as instituições estáveis e testadas do que tentar rupturas para implantar modelos de sociedade.
Para o conservador, a políticaé a “arte do possível” e não um meio para se chegar a uma revolução
Mas e quanto a Burke?
Burke , um liberal, eleito pelo partido Whig(liberal), por um “burgo podre” - sistema de corrupção da monarquia inglesa, em que até mesmo cidades inexistentes elegiam grande número de deputados.
Burke passou as primeiras duas décadas de sua carreira política defendendo vários tipos de reformas, como das finanças do governo inglês, de seu tratamento das minorias religiosas, de sua política comercial e outras.
Em grande parte do tempo lutou contra a então falida política inglesa.
Mas, após a revolução na França, a qual Burke temia que pudesse ser importada para a Inglaterra, transformou-se em um defensor das tradições políticas inglesas. Opôs-se a todos os esforços para enfraquecer o poder da monarquia, bem como alertou contra reformas (como movimentos na direção de uma maior democratização), que poderiam separar a nação de suas longas tradições.
A partir daí Burke se tornar guardião da tradição e política inglesa, trazendo a debates questões até então não analisadas, como a “prescrição funcionaria”. De acordo com Burke, como um “seguro principio de conservação e de transmissão” de tudo o que foi conquistado pelas gerações passadas, sem abrir mão das mudanças e da evolução. Somente essa receita poderia impedir que a sociedade se desintegrasse e caísse refém do terror.
Burke conseguiu manter os mortos vivos, e a vontade dos vivos ainda submissa à dos mortos, não só em plena época do revolucionário “renascimento das luzes”, mas durante todo o tempo seguinte dentro dos próprios regimes ditos liberais e democráticos.
O que é progressismo?
Oprogressismo é a doutrina segundo a qual certas medidas econômicas e sociais são imprescindíveis para a melhoria da condição humana. Também está relacionado à ruptura de padrões sociais tradicionais. O progressismo possui forte ligação com o iluminismo.
Além do iluminismo, outra doutrina que se ancorou na ideia de progresso foi o positivismo. Criado no século XIX por autores como Auguste Comte, o positivismo pode ser visto como uma adoção radical dos valores iluministas. A influência do positivismo pode se ver em terras tupiniquins , como o lema “Ordem e Progresso”, inscrito na bandeira nacional
Desde seu surgimento, o progressismo já se alterou muitas vezes e adotou diversas bandeiras, dentre as quais o sufrágio universal, os direitos trabalhistas, programas sociais, entre outros. Nesse contexto, o progressismo se adaptou bem ao pensamento social democrata e até hoje ambos se encontram fortemente associados.
E quanto a Paine?
“Paine foi incendiado pelos acontecimentos em Paris. Suas inclinações radicais encontravam na França a mais perfeita expressão. “Começar o mundo de novo”, a famosa citação, sintetiza a disposição desse radicalismo nascente: armados da razão, os homens deveriam implementar a única forma de governo legítima, uma república fundada na absoluta igualdade e no consentimento racional de seus membros. Velhas formas de organização social ou política seriam derrubadas para que a Nova Sociedade se erguesse do zero.”
Paine defendia que nada poderia durar mais do que uma geração, ou seja, leis , políticas governamentais, cultura e tradição não deveriam ser conservadas e sim desconstruídas em cada geração, para Paine, a conservadorismo e o tradicionalismo era deixar os vivos como escravos dos mortos e do que eles pesavam.
Deste modo, o mundo seria reconstruído a cada geração, segundo suas próprias concupiscências e idealismos, uma revolução a cada fase.
Este pensamento iria mais tarde influenciar diversos grupos de esquerda radical pelo mundo, apesar disso, a filosofia de Paine esteve em baixa até que , com o advento do pós modernismo, reavivou o espírito revolucionário e trouxe à tona ,mais do que nunca, o maior debate de nossos tempos, conservadorismo x Progressismo.
O pensamento econômico de Paine tinha um sentido singular ao propor uma forma de política social que se afastava da revolução ou de uma solução miraculosa. Essa sua teoria, que ficou conhecida como “dividendo universal”, ainda inspira grupos de esquerda liberal da atualidade
A teoria do dividendo universal foi capaz de inspirar a obra de economistas contemporâneos. Milton Friedman, Nobel de economia em 1972, defendia a criação de um “imposto negativo” que deveria dar fim aos programas de assistência social e complementar àqueles que tivessem baixos salários. Depois da Segunda Guerra Mundial o chamado “Welfare State” (Estado de Bem Estar) tentou instituir maneiras pelas quais os cidadãos tivessem um ganho econômico mínimo garantido pelo próprio Estado.
A teoria de Paine foi, em certa medida, capaz de agradar os liberais e socialistas.
Como conclusão poderemos dizer que , a visão de mundo Burkeana transcendeu a cultura popular e política, inclusive no século XX, em que mudanças drásticas não eram toleradas , principalmente nas questões culturais. Todos, desde os tradicionalistas do folclóricos aos Nerds do mundo Geek, encaravam de forma cética às mudanças entre sua cultura, quebra de padrões eram tidos como um ataque não só a cultura , mas também ás relações.
Por outro lado , a filosofia revolucionaria de Paine deu as caras novamente a partir o final do século XX se misturando ao discurso Gramsciano nas universidades, nos governos e na mídia, se alastrando massivamente no século XXI, por meio do identitarismo de esquerda, “caindo como uma luva”, num período onde tudo é desconstruido, tudo é esquecido, é tudo é revolucionado.
Parece ser a virada da filosofia política de Paine na guerra cultural e política em que vivemos.
Resta saber se a direita que agora tenta retomar seu lugar dentre o universo acadêmico, vai conseguir parar o avanço revolucionário na guerra político/cultural que está mais “explosiva” do que nunca.
Autor: Alex Motta

Nenhum comentário:
Postar um comentário